Boas-vindas à Era da Pós-Inocência da Internet

Costumávamos falar sobre a próxima era da internet em conversas de jantar; agora falamos sobre tecnofeudalismo, extrativismo de plataforma e a economia da atenção assumindo todos os aspectos de nossas vidas. Falamos sobre mudar para plataformas peer-to-peer em vez de grandes mídias sociais de tecnologia; agora falamos sobre telefones descartáveis e limpar nosso Instagram para poder entrar na China ou nos EUA. Pensamos que a web3 poderia ser uma alternativa real; mas aceitamos que as blockchains parecem ser muito mais úteis para financiar o mundo do que para democratizá-lo.

Mas há novos motivos para ter esperança. O grande idealismo da internet livre e aberta pode ter acabado por enquanto, mas em seu lugar cai uma mentalidade mais prática. Assim como os empreendedores do Vale do Silício estão entrando na era da “Hard Tech”, as pessoas que constroem alternativas à web também estão entrando na Era Pós-Inocência: construir infraestrutura digital com base em um conjunto diferente de valores, estruturas e ideologias para servir suas comunidades e estabelecer novas condições para como as coisas operam, são produzidas e circuladas.

O que é a geração pós-inocência?

Não é tão raro. Pra todo lugar que você olha, alguém está tentando construir uma alternativa. Austin Robey é o fundador da Subvert, uma plataforma de música de propriedade cooperativa. Com formação em arquitetura e paixão pela música, o fundador de Nova York passou os últimos 10 anos tentando resolver a questão de como as plataformas digitais para artistas e demais criadores podem ser sustentáveis.

Quando o Bandcamp foi vendido em 2022, a ficha caiu para ele. Mesmo assim, a maioria dos músicos desistiu da ideia de que o Spotify poderia ajudá-los a ganhar dinheiro (seu pagamento médio é de US$ 0,003 por stream, e apenas 1% dos artistas realmente se beneficiam). Enquanto isso, o Bandcamp era considerado a plataforma onde os músicos sentiam que seu trabalho era valorizado. Era um lugar onde os preços eram justos e os fundadores estavam em contato com sua comunidade. Quando foi vendido para a Epic Games, a empresa gigante por trás de jogos triple A como Fortnite, o choque foi profundo.

E, no entanto, essa história já foi escrita um milhão de vezes antes: uma plataforma começa com as melhores intenções em mente, assume o capital de risco e percebe que os investidores de capital de risco (VCs) são pessoas de negócios e querem seu dinheiro de volta. Poderia ser diferente? Só se fosse estruturalmente diferente. Então Austin escreveu um manifesto e começou a construir o Subvert no verão de 2024.

O Subvert, que deve ser lançado ainda este ano, agora tem mais de 10 mil membros, incluindo artistas, gravadoras independentes e apoiadores. Cada um possui uma parte da plataforma que será lançada ainda este ano. Se será um sucesso, atrairá usuários, gerará receita ou até mesmo retorno sobre investimento (ROI) para seus cofundadores ainda é uma incógnita; o que importa é que ele depende de um modelo de propriedade radicalmente diferente. Essa inovação estrutural, por sua vez, molda a maneira como as decisões estão sendo tomadas, a plataforma está sendo construída e a comunidade que ela atende se envolve.

Austin faz parte do que chamamos de geração pós-inocência de criadores de internet. Eles são uma multidão pequena, mas crescente, de pessoas construindo estruturas moldadas em torno dos valores centrais de sua comunidade. Em vez de metaversos, destinados a criar novos ambientes para toda a nossa existência digital, eles podem ser pensados como miniversos que atendem às necessidades de suas comunidades e subculturas específicas.

Construindo sobre as fissuras da internet que passamos a aceitar como realidade

Identificamos quatro camadas nas quais esses pequenos universos são construídos de maneira diferente das eras anteriores:

1) Em um nível estrutural, como no caso da Subvert, que é de propriedade coletiva de seus membros em vez de investidores de capital de risco.

2) Em um nível de valor, como a plataforma de lançamento Metalabel, que é construída para que os criadores colaborem e dividam os ganhos em vez de competirem entre si.

3) Em um nível de design, como a Perfectly Imperfect — uma newsletter que se transformou em rede social —, que estrutura seu feed em torno de recomendações feitas por pessoas em vez de conteúdo otimizado por algoritmos.

4) Em nível comunitário, por exemplo, a Trust — uma comunidade online e um espaço físico com sede em Berlim — que experimenta estruturas de governança descentralizadas para evoluir de acordo com as necessidades reais de sua comunidade.

Esses projetos não são movidos pela nostalgia, nem mesmo pelo crescimento. A questão é que influenciar o mundo de hoje não é criar escala; é desenvolver as condições que determinam como a cultura é criada, distribuída e monetizada. À medida que as guerras culturais estão sendo travadas pela infraestrutura digital, precisamos construí-la sobre um conjunto de princípios radicalmente diferentes para atender às nossas necessidades.

Mapeando a geração pós-inocência

Em 2025, estamos vendo muitos veículos dedicados à criação de novos lugares para subculturas e comunidades prosperarem. Para entender o que eles têm em comum e como se conectam, começamos a mapear os projetos e vê-los como um ecossistema emergente construído sobre uma mentalidade compartilhada.

Este Mapa da Internet Pós-Inocência é dividido em quatro categorias:

1. Media
   Uma nova onda de livros, podcasts e zines atuam como pontos de entrada nesse ecossistema, experimentando novos formatos de mídia, modelos de distribuição e estruturas de propriedade para compartilhar conhecimento e se conectar com o público. Tomemos por exemplo A Sexual History of the Internet, um livro de arte com mais de 700 páginas de Mindy Seu e Laura Coombs que reúne anedotas, obras de arte e artefatos históricos sobre como a tecnologia foi moldada pela sexualidade — e que divide uma parte do processo com as pessoas que a inspiraram. Projetos como The Internet Phone Book (um diretório físico de páginas amarelas de URLs que atuam como um portal para a "web poética"), Isolarii (uma editora baseada em assinatura de livros de "conhecimento radical" em formato de bolso) ou o podcast Doomscroll, de Joshua Citarella, são empreitadas semelhantes na criação de mídia baseada em princípios diferentes dos que o modelo tradicional propõe.
   
   
2. Hubs
   Depois de descobrir esse novo mundo por meio da mídia, os espaços da IRL e as comunidades digitais conectam você a colegas com ideias semelhantes. Um desses espaços é o Trust, um espaço físico em Berlim e uma rede de “conspiradores utópicos” que experimentam projetos criativos, técnicos e críticos. É na Trust que nós, os autores deste artigo, nos conhecemos inicialmente e cuja comunidade, projetos, conversas e eventos inspiraram nosso pensamento. Outros nós críticos são lugares como o Softer, uma rede que visa mudar a narrativa de que a tecnologia é difícil, construída sobre a consciência feminista; Index, uma rede de espaços em Nova York, Índia, Japão e Amsterdã, construída sobre valores de generosidade e cuidado criativos, ou a School for Poetic Computation, que enfatiza métodos de código aberto, acessibilidade e participação diversificada.
   
   
3. Catalysts
   Um número crescente de organizações está se formando para apoiar a criação de novas infraestruturas culturais. Um excelente exemplo é a Serpentine Arts Technologies, o braço R&D experimental da instituição de arte com sede em Londres. Ao trabalhar com artistas como Ian Cheng (que agora dirige a startup de IA Opponent Systems), Holly Herndon e Mat Dryhurst (que lançou várias plataformas digitais para artistas, como a Spawning) ou Danielle Brathwaite-Shirley (que usa videogames interativos como seu principal meio de expressão), eles estão rompendo as fronteiras entre artistas e infraestrutura digital e permitindo que vozes mais diversas se juntem à conversa. Em um espírito semelhante, novos aceleradores como o Restless Egg fornecem capital inicial e orientação ao tipo emergente de "artista-fundador", permitindo que seus protótipos experimentais ganhem vida além das paredes da galeria.
   
   
4. Plataformas & Protocolos
   Na fase final deste ciclo, vemos o surgimento de novas plataformas que permitem que grandes grupos de pessoas participem da era da internet pós-inocência. Plataformas como a Metalabel, lançada por um grupo ligado ao ex-fundador do Kickstarter, Yancey Strickler, tem como objetivo oferecer uma alternativa à cultura dominante da economia dos criadores, permitindo que eles publiquem, vendam e exibam trabalhos em diferentes mídias, ao mesmo tempo em que possibilita modelos de receita distribuída por meio de “splits”, baseados em tesourarias compartilhadas que repensam o modelo de distribuição no qual criadores e editoras dependem. Em um nível de protocolo, plataformas como a Nina visam capacitar artistas independentes, fornecendo um ecossistema transparente e descentralizado para vendas diretas de fãs para criadores; e o AT Protocol, da Bluesky, constrói uma nova base para redes sociais onde os usuários mantêm o controle sobre seus dados e organizam seus algoritmos.
   

Por que precisamos de um mapa?

O objetivo de criar este mapa não é navegá-lo. Você pode fazer isso sozinho, e pedimos que você mergulhe fundo. Muitos dos projetos que apresentamos aqui apontam para universos inteiros de protocolos criptográficos, a web poética, cooperativas de plataformas, redes sociais alternativas, cenas de arte, música e mídia em que milhares de outros experimentos, ideias e protótipos florescem. É a Internet que você não verá se ficar nas grandes plataformas.

O que queremos mostrar com o nosso mapa é que a internet pós-inocência existe como uma mentalidade dentro do mar interminável da internet de hoje. Cada um dos projetos cria uma ilha própria, ao invés de tentar mudar todo o mar. Mas essas ilhas não são solitárias; elas são povoadas, interconectadas e se comunicam umas com as outras enquanto constroem alternativas ao status quo.

Poderíamos ter trocado o idealismo pelo realismo, aceitando a internet de hoje pelo que ela é. Um espelho em vez de um portal. Mas, mais do que nunca, acreditamos que a mudança pode acontecer por meio da infraestrutura digital, que ela tem a capacidade de tornar nossos valores reais.